domingo, dezembro 03, 2006

86) Programas da campanha presidencial: alguns comentarios

Programas da campanha presidencial: alguns comentários
Paulo Roberto de Almeida
Sociólogo, diplomata, professor universitário.
(4 de outubro de 2006)

Sobre Lula, o PT e seu programa eleitoral:

A coordenação da campanha eleitoral do candidato-presidente afirma, em seu primeiro boletim do segundo turno – bizarramente chamado ‘Anti-Vírus’ – (com data de 3.10.2006), que “No último domingo de outubro, o povo brasileiro dirá um não ao retrocesso, ao atraso, ao neoliberalismo”.
Essa afirmação é no mínimo surpreendente, quando se sabe que foi exatamente o execrado ‘neoliberalismo’ da política econômica de Lula que garantiu sua altíssima popularidade justamente entre aqueles que sempre padeceram dos males da inflação e da conseqüente erosão de sua renda.
Na verdade, o PT deveria agradecer ao ‘neoliberalismo’ do Banco Central pelo sucesso absoluto da atual situação econômica.
Lula estará sendo (eventualmente) reeleito pelo seu neoliberalismo econômico, quer o PT goste disso ou não.
Para ser mais exato, nem o que está escrito no programa de campanha do PT, nem o que diz sua coordenação eleitoral têm a menor importância para o presidente-candidato e terá menos importância ainda, caso ele seja reeleito. Lula, hoje, quer distância do PT, que aparentemente converteu-se no ‘partido dos tabajaras’, e não dá qualquer atenção ao programa que foi elaborado pelos próceres do partido.
Num eventual segundo mandato, Lula comandará a economia – e a política externa, a segunda das áreas que lhe são mais caras – ouvindo sua própria consciência e seguindo seu tradicional pragmatismo. As ‘recomendações’ econômicas do PT já não eram importantes em 2002 – haja vista a Carta ao Povo Brasileiro, de junho daquele ano – e hoje, mais ainda, não apresentam a menor relevância, já não digo na teoria, e sim em termos práticos.
Ou seja, os ideólogos do partido nem precisariam se dar ao trabalho de redigir meticulosos documentos gramscianos para o segundo mandato de Lula: seu destino é a lata de lixo do gabinete presidencial.


Sobre Geraldo Alckmin e os alckmistas econômicos:
Diferentes na roupagem, iguais no conteúdo: quase não há diferença entre os programas econômicos dos dois candidatos inimigos no segundo turno. De fato, o que caracteriza a atual campanha é uma excepcional similitude de intenções, ainda que não de retórica, entre as plataformas de política econômica dos candidatos Alckmin e Lula.
O programa do ex-governador paulista é uma cuidadosa assemblagem política de elementos conceituais e prescrições práticas retirados das duas principais correntes que integram o tucanato econômico: de um lado, os desenvolvimentistas pragmáticos – posto que os ideológicos estão na outra campanha, a do neo-neoliberalismo econômico petista – e, de outro, os representantes brasileiros do chamado ‘mainstream economics’, que são alegadamente ‘neoliberais’ para os padrões cepalianos redivivos. Ackmin juntou algumas gramas de desenvolvimentismo à la Mendonça de Barros com grandes doses de realismo à la Armínio Fraga. Ou seja, seu programa comporta diagnósticos e terapêuticas para todos os gostos e orientações do academismo econômico, com as mesmas promessas vagas do programa do PT quanto a crescimento e emprego. Os alckmistas pretendem transmitir um sentido de responsabilidade econômica que também se encontra no programa dos petistas realistas. Estes últimos se esforçam por parecer anti-neoliberais, mas, na prática, eles sabem que, no fundo, deveriam acender algumas velas no altar do Banco Central, que lhes garantiu o sucesso de público que eles nunca teriam tido, se se decidissem pela aplicação de sua macroeconomia surrealista.

Na verdade, há uma grande demanda por magia econômica nos programas de ambos candidatos. Eles nunca discutem os problemas reais que já estão na mesa, senão na agenda, do próximo presidente, qualquer que seja ele: a bomba fiscal, que precisa ser desarmada o quanto antes, pois ameaça explodir já no primeiro semestre de 2007; o buraco negro previdenciário, que vai sugando todas as receitas adicionais; o sorvedouro dos gastos correntes, inclusive as novas despesas salariais do funcionalismo público e as benesses do assistencialismo governamental; enfim, o estrangulamento das possibilidades de investimento privado por obra e graça da despoupança estatal, que constitui hoje o principal obstáculo a um processo sustentado de crescimento econômico.
Não há alquimia capaz de transformar o déficit nominal – que realimenta a dívida pública de forma contínua – em recursos para investimentos produtivos. Isso, nenhum dos candidatos abordou em seus programas eleitorais ou nos discursos de campanha. Mas essa realidade vai desabar pesadamente na mesa presidencial ainda antes do dia 1º de janeiro de 2007. Boa sorte ao vencedor, que não terá apenas batatas para descascar...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de outubro de 2006