segunda-feira, julho 10, 2006

22) Verticalizacao?: R.I.P

Do site de Congresso em Foco:
(Brasília, 09 de Julho de 2006)


LETRA MORTA
O quadro consolidado das composições nos estados condena antecipadamente à morte a chamada verticalização, que pretendia estabelecer coerência entre as alianças feitas regionalmente e aquelas que têm como alvo a disputa presidencial. Veja como será a largada eleitoral em cada estado.

Salada partidária engole a verticalização
Levantamento aponta fragilidade dos acertos nacionais nas disputas locais. Psol é o partido com maior número de candidatos a governador

Edson Sardinha e Sylvio Costa*

Levantamento feito pelo Congresso em Foco mostra que o quadro final das candidaturas majoritárias nos estados (disputa para os governos locais e o Senado) sela a sentença de morte da chamada verticalização. Por esse instrumento, os partidos são obrigados a respeitar no plano estadual as alianças que fazem para a eleição de presidente da República. Na prática, prevalece um vale-tudo no qual a força pessoal de caciques políticos - nacionais ou regionais - exerce bem mais influência no jogo eleitoral que a fidelidade aos partidos e às coligações que eles fazem na esfera federal.

O levantamento confirma as dificuldades que o PSDB de Geraldo Alckmin enfrenta para concretizar nos estados a coligação que fez com o PFL. Lança luz sobre os rumos inusitados que assumem as composições partidárias estaduais (o esquerdismo light do PPS, por exemplo, emerge como um dos principais aliados do conservador PFL na disputa nos estados). E, entre outras curiosidades, consagra o Psol como o partido que lançou maior número de candidatos a governador.

A incoerência entre os acordos nacionais dos partidos e suas alianças na esfera estadual talvez seja, porém, a característica mais evidente da batalha que os diversos partidos travarão nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. A verticalização não resistiu à a esquizofrenia do nosso quadro partidário.

O jeitinho derrotou a norma

Para entender melhor a questão da verticalização, é preciso voltar no tempo. Em fevereiro deste ano, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional acabando com o mecanismo. Alegando que a decisão não havia respeitado o prazo mínimo de um ano previsto pela Constituição Federal, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu que a regra só poderia valer a partir do pleito de 2010.

Mas, depois de ameaçar endurecer ainda mais a regra, o TSE terminou mantendo a norma que prevaleceu em 2002: os partidos adversários nas eleições presidenciais não podem se coligar nas disputas estaduais, mas os demais partidos ficaram livres para se coligarem como bem entenderem nas disputas estaduais.

Se a norma é a mesma que prevaleceu quatro anos atrás, o que mudou em 2006? O comportamento dos partidos. Ou por estarem mergulhados em profundas divisões internas (como o PMDB) ou por terem como prioridade eleger bancadas expressivas para a Câmara dos Deputados (PSB e PPS, por exemplo), vários partidos optaram por não lançar oficialmente candidatos a presidente.

Resultado: ampliou-se o espaço para as eleições estaduais girarem de acordo com uma lógica própria, contrariando muitas vezes aquela que guia a corrida ao Palácio do Planalto. Apenas dois partidos, o PT e o PCdoB, conseguiram reproduzir em todo o país a aliança feita em torno de um postulante ao Planalto (no caso, ao redor de Lula). Pode-se dizer, portanto, que o jeitinho derrotou a norma, fazendo na prática prevalecer a vontade original do Congresso.

PSDB X PFL

Na campanha pelos governos estaduais ou ao Senado, o PSDB de Alckmin enfrenta o PFL, do candidato a vice-presidente da República José Jorge, em 12 unidades da federação (RJ, PR, BA, DF, GO, AM, MT, AL, MA, TO, PI e RO). Tucanos e pefelistas só estão oficialmente juntos em 14 das 27 unidades federativas. Em alguns estados, o clima entre as duas legendas chega a ser belicoso.

Alckmin teve, por exemplo, de intervir pessoalmente na Bahia para que o PSDB desistisse da candidatura ao governo de José Carlos Fernandes, em favor da reeleição do governador Paulo Souto (PFL), para não perder o apoio da turma do senador Antonio Carlos Magalhães. Ainda assim, a manutenção da candidatura do ex-carlista Antônio Imbassahy (PSDB) ameaça as pretensões do senador Rodolpho Tourinho (PFL) de renovar o mandato por mais oito anos. No Piauí, Hugo Napoleão (PFL) e Freitas Neto (PSDB) também se confrontam na luta por uma cadeira no Senado.

O quadro é ainda mais insólito no Paraná, onde tucanos brigam na Justiça. Uma ala do partido, liderada pelo deputado estadual Valdir Rossoni, com o apoio da Executiva Nacional do PSDB, tenta anular a convenção que aprovou a coligação com o governador Roberto Requião (PMDB). Candidato à reeleição, Requião apresentou o presidente da Assembléia Legislativa, Hermas Brandão (PSDB), como seu vice, numa chapa composta ainda pelo senador Álvaro Dias (PSDB), que tenta a reeleição.

Líder da oposição no Senado, Álvaro já declarou que votará no irmão, o também senador Osmar Dias (PDT), adversário de Requião na corrida ao Palácio do Iguaçu. Para o PSDB nacional, é vital impugnar a aliança com o PMDB: Requião será o coordenador da campanha de Lula no Sul do país e não abrirá seu palanque para Alckmin no estado. Enquanto isso, o PFL local trabalha pela eleição do ex-deputado Rubens Bueno (PPS), que tem como vice o pefelista Marcelo Puppi, vereador do município de Campo Largo.

A divergência entre o PFL e o PSDB também é intensa no Rio de Janeiro, onde os tucanos exibem hoje poucas chances de chegarem ao Palácio das Laranjeiras com o deputado Eduardo Paes (RJ), que aparece apenas em quarto lugar nas pesquisas. Os pefelistas indicaram Eider Dantas como vice da deputada Juíza Denise Frossard (PPS), que está em terceiro lugar na preferência do eleitorado fluminense, atrás de Marcelo Crivella (PRB) e do líder Sérgio Cabral (PMDB).

Salve-se quem puder

O apoio informal do PPS à candidatura de Alckmin não se reproduziu nas candidaturas aos governos estaduais. O partido do deputado federal Roberto Freire (PE) só faz dobradinha com o PSDB em três estados (MA, PI e RS), ao passo que compõe com o PFL em outros seis (MT, TO, RO, RJ, PR e RS).

A aliança dá uma idéia de como conveniências regionais podem tornar ainda mais confusa a salada partidária tupiniquim. O PPS luta para transpor a "cláusula de barreira", isto é, à exigência de obtenção de pelo menos 5% dos votos válidos em todo o país para a eleição de deputados federais. Quem não passar por esse difícil vestibular receberá castigo duplo. Ficará sem os recursos públicos distribuídos por meio do fundo partidário e perderá o direito de fazer propaganda no rádio e na TV.

Pela mesma razão, o PSB - que em 2002 lançou Anthony Garotinho (hoje no PMDB) para a Presidência e coligou-se com o PT nas eleições presidenciais anteriores - dará agora apoio apenas "informal". Em quase todos os estados, no entanto, os dois partidos estarão juntos (formal ou informalmente).

Neste salve-se quem puder, o PMDB segue sua trajetória incerta e contraditória. Depois de vencer a batalha interna contra lançamento de candidato próprio à Presidência, a ala governista do partido promete anunciar hoje o seu apoio à reeleição de Lula. O gesto ocorre três dias depois de o presidente ter dado ao partido a presidência e três diretorias dos Correios. O número de diretórios do partido que irão aderir ao movimento ainda não está fechado. Mas as previsões variam de 16 a diretórios estaduais. Um apoio nada desprezível, já que o PMDB tem candidatos fortes em 13 dos 16 estados em que disputa como cabeça de chapa.

Se na disputa presidencial o maior partido no Congresso parece mais simpático à candidatura Lula do que à de Alckmin, nos estados, a situação é outra. O PMDB e o PSDB marcham juntos em oito estados. Com o PFL, a aliança se repete em sete lugares, ao passo que, com o PT, restringe-se a seis estados (MG, BA, CE, PB, SE e RR).

As alianças do PT

Apesar do apelo do presidente Lula para que o PT cedesse aos aliados onde o partido tem poucas chances de vitória, o PT lançou 18 candidatos a governador. Coligados com o PCdoB em todos os estados, os petistas priorizaram as alianças com o PSB, que se repetem 16 vezes, com o PL, em 12 estados, e, em 11, com o PRB, do vice-presidente José Alencar. Em quatro estados, os petistas ficaram de fora da chapa majoritária para não melindrar a relação com os aliados (ES, AM, RN e RR).

No Amazonas, os petistas vão pedir voto para o governador Eduardo Braga (PMDB), candidato à reeleição. Em troca, esperam votos e palanque para Lula. A mesma situação ocorre em Roraima, onde o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB), concorre ao governo estadual. No Rio Grande do Norte, o PT abriu mão de qualquer candidatura majoritária em favor em favor dos planos de reeleição da governadora Wilma de Faria (PSB).

Mas, em poucos lugares, o quadro partidário é tão confuso quanto no Espírito Santo, onde petistas e tucanos dividirão o mesmo palanque, o do governador Paulo Hartung (PMDB), que disputa a reeleição. Favorito nas pesquisas, Hartung reuniu uma miscelânea partidária em torno de seu nome. Além da aliança formal com o PSDB, o PFL e o PTB, o peemedebista terá o apoio de outra coligação, formada por PT, PSB, PL, PCdoB, PMN, PV, PSC e PRB.

A costura do acordo envolveu um complexo arranjo que deixa Alckmin praticamente sem palanque no estado. O PT desistiu de lançar o deputado estadual Cláudio Vereza ao governo em troca do apoio de Hartung à reeleição de Lula e à candidatura do deputado Renato Casagrande (PSB) a senador. O governador ainda conseguiu fulminar com a candidatura do ex-prefeito de Vitória Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) ao Senado mesmo depois de ela ter sido aprovada em convenção. A coalizão pró-Hartung é confrontada com outra numerosa frente partidária. Apóiam a candidatura do pedetista Sérgio Vidigal nada menos do que nove partidos (além do PDT, os mais importantes são o PP e PPS).

A formação de grandes blocos partidários nestas eleições não é exclusividade dos capixabas. No Pará, o palanque do ex-governador Almir Gabriel (PSDB) será pequeno para abrigar os representantes de outros 13 partidos (PAN, PPN, PMN, PP, PTB, PSC, PRTB, PRP, PFL, PV, Prona, PTdoB e PTC) que anunciaram apoio à candidatura do tucano. O PSDB também precisará reforçar o tablado na Paraíba caso os oito partidos que defendem a reeleição do governador Cássio Cunha Lima decidam ocupar o palanque ao mesmo tempo.

A mesma observação vale para o ex-ministro Jaques Wagner (PT), candidato a governador da Bahia. Os petistas baianos estarão lado a lado com o PMDB, que concorrerá a vice com o ex-deputado estadual Edmundo Pereira, e outras seis legendas. Oito também é o número de partidos que apóiam a eleição de Cid Gomes (PSB), no Ceará, e de Alcides Rodrigues (PP), em Goiás.

Psol com mais candidatos

À exceção do PMDB, os partidos que têm candidato à Presidência despontam como os que registraram mais candidaturas majoritárias nos estados, numa clara preocupação em oferecer a maior quantidade possível de palanques aos respectivos presidenciáveis. Nesse aspecto, o Psol, da senadora Heloísa Helena (AL), saiu na frente. Lançou candidato a governador em 19 estados, um a mais que o PT.

Os tucanos aparecem logo em seguida, encabeçando 17 chapas. Dono da maior bancada de congressistas, prefeitos e governadores, o PMDB lançou 16 candidatos aos governos estaduais. Com o mesmo número de candidaturas ao Executivo, aparece o inexpressivo PSDC, que não ocupa sequer uma cadeira no Congresso, mas que pretende turbinar a campanha de seu candidato a presidente, José Maria Eymael. O partido também surpreendeu na Bahia ao lançar o eterno menestrel Juca Chaves como candidato ao Senado.

O PDT, de Cristovam Buarque, terá dez candidatos a governador. E, pela primeira vez, marchará para as eleições estaduais em franca oposição ao PT, antigo aliado e mais novo desafeto. Já o PCO, de Rui Pimenta, lançou candidatura própria em oito estados.

Entre os presidenciáveis, o que terá menos palanques será justamente o mais rico dos candidatos, Luciano Bivar, que declarou à Justiça eleitoral um patrimônio pessoal de quase R$ 9 milhões. O PSL encabeça chapa em apenas quatro estados.

Entre os demais partidos com bancada expressiva no Congresso, o PSB é o único que tem mais de dez candidatos a governador (11). Terceira força na Câmara, o PFL concorre a governador em apenas sete estados. O PPS, com cinco; o PP e o PV, com três cada. Os mais tímidos, porém, são o PCdoB, o PL e o PTB, que lançaram apenas um nome à sucessão estadual cada um.

Incógnitas para todos os gostos

Grosso modo, as alianças estaduais permitirão aos dois principais presidenciáveis dispor de palanques vistosos na grande maioria dos estados. Entre as vantagens de Alckmin nesse terreno, está o fato de ter uma fortíssima base de apoio nos dois maiores colégios eleitorais do país (São Paulo e Minas Gerais), onde os candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves se encontram, segundo as pesquisas mais recentes, disparados na preferência do eleitorado.

Mas, ao menos na largada, a candidatura Lula pinta como a melhor escorada em alianças regionais. Além da fidelidade do PCdoB, do PSB e do PRB, ela conta com o apoio eventual de grandes partidos, como o PMDB e, eventualmente, até mesmo do PFL e do PSDB.

No Ceará, terra do presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati, o governador tucano Lúcio Alcântara anima seus apoiadores a venderem a dobradinha "Lu-lu", Lula para presidente e Lúcio para o governo. No Maranhão, o PFL da candidata ao governo Roseana Sarney está fechada com o petista. Em ambos estados, curiosamente, os principais concorrentes da oposição também defendem a reeleição de Lula (Cid Gomes, do PSB, no Ceará; e Edson Vidigal, do PSB, no Maranhão).

Todos esses dados, contudo, merecem ser analisados à luz de três fatores. O primeiro é que eleições passadas provam que alianças não constituem garantia de transferência de votos. Se o pleito nos estados se desenvolve com larga autonomia em relação à sucessão presidencial, a recíproca é verdadeira. A corrida para o Planalto também possui dinâmica própria, já que a maior parte dos eleitores faz suas escolhas à revelia de acertos partidários (eles são, tanto quanto os políticos, pouco fiéis a partidos).

A situação em Goiás é uma demonstração disso. Lá, o senador Maguito Vilela (PMDB), defensor declarado da reeleição de Lula, está disparado nas pesquisas de intenção de votos para o governo. Nas pesquisas para presidente, entretanto, Alckmin está à frente de Lula entre os eleitores goianos.

O segundo fator é o elevado grau de informalidade nas composições políticas locais, que aumenta as incógnitas sobre o aprofundamento ou não de alianças até agora ensaiadas. Em vários estados, a marcha das coligações não permite ainda um prognóstico seguro sobre o comportamento das principais lideranças regionais em relação à disputa presidencial.

No Rio Grande do Sul, o até agora neutro governador Germano Rigotto (PMDB), candidato à reeleição, é assediado pelos tucanos para abraçar a candidatura Alckmin. Em Pernambuco, o ex-governador Jarbas Vasconcellos (PMDB), que concorre ao Senado, votará no tucano, mas resiste à idéia de mergulhar de cabeça na campanha do ex-governador paulista, temendo atrapalhar sua própria eleição.

Em Alagoas, a situação é mais complicada. O senador Renan Calheiros (PMDB) é o grande avalista do nome lançado ao governo pelo PSDB, o também senador Teotônio Vilela Filho. Mas Renan exige de Téo, ex-presidente nacional do partido, que ele no mínimo não dificulte a vida de Lula no estado.

O terceiro fator diz respeito às surpresas que todo processo eleitoral pode trazer. Como consagra a sabedoria popular, "de urna e de cabeça de juiz nunca se sabe ao certo o que vai sair".


Confira o mapa das candidaturas e coligações por estado

* Com base em levantamento feito pelos repórteres Paulo Henrique Zarat e Tarciso Nascimento